Já ouviu seus pais ou avós mencionarem que no passado as coisas duravam muito mais? Essa percepção não é apenas um pensamento das gerações mais antigas sobre os eletrodomésticos e eletrônicos atuais. Na verdade, os dispositivos de hoje são fabricados com componentes projetados para ter uma vida útil mais curta, uma estratégia conhecida como “obsolescência programada”.
Sim, é verdade. Fabricantes intencionalmente projetam aparelhos que tendem a quebrar rapidamente ou funcionar com menos eficiência ao longo do tempo, com o objetivo de incentivar os consumidores a comprar substitutos em breve. Essa prática não é nova e pode ser rastreada até pelo menos 1928, quando uma revista de publicidade mencionou que “um produto que não se desgasta é uma tragédia para os negócios”.
Curiosamente, essa mentalidade começou a ganhar força durante a Grande Depressão nos Estados Unidos, uma época de grave crise econômica. As empresas passaram a fabricar produtos de qualidade inferior, com vida útil mais curta, para estimular a compra frequente e impulsionar a economia. Embora essa crise tenha sido superada nas décadas seguintes, essa mentalidade persistiu e se alinhou ao impulso do capitalismo desenfreado, resultando na disponibilização de produtos com vida útil limitada nas prateleiras.
A obsolescência programada não só incentiva o consumo excessivo, mas também contribui para um grave problema: o acúmulo de lixo eletrônico. Anualmente, cerca de 215 mil toneladas de dispositivos eletrônicos dos EUA e da Europa são descartadas em Gana. Na região de Agbogbloshie (também conhecida como Sodoma), 129 mil toneladas de resíduos eletrônicos se acumulam todos os anos, levando a essa área a ser conhecida como “o lixão do mundo”.
A indústria de tecnologia por si só gera 41 milhões de toneladas de lixo eletrônico a cada ano, conforme um estudo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Entre 60% a 90% desse lixo é desviado ilegalmente por grupos criminosos para revenda. Além de Gana, Índia e Paquistão também são destinos comuns para o descarte inadequado de dispositivos eletrônicos.
A ONU estima que até 50 milhões de toneladas de lixo eletrônico são produzidas em todo o mundo. No Brasil, esse número atingiu cerca de 1,4 milhões de toneladas, com apenas 2% sendo reciclados. A organização prevê que, em 12 anos, o lixo eletrônico acumulado no mundo pesará mais do que o Pão de Açúcar, que possui aproximadamente 580 milhões de toneladas.
O descarte inadequado de equipamentos eletrônicos contribui para a contaminação do solo, água e ar devido aos metais pesados e substâncias tóxicas presentes nesses dispositivos. Chumbo, cádmio, cobre, bromo e níquel são exemplos desses metais, cuja presença excessiva no meio ambiente pode causar danos à saúde humana, incluindo ferimentos, câncer, problemas respiratórios e demência.
Há argumentos a favor da obsolescência programada, sugerindo que, quando usada moderadamente, ela mantém a economia em funcionamento e gera empregos, visto que a demanda por produtos é constante. Além disso, alguns defendem que a necessidade de produtos eletrônicos mais frequentes estimula a concorrência, levando a avanços tecnológicos e rápido progresso humano.
Outros alegam que tudo isso é apenas uma teoria da conspiração, culpando os próprios consumidores por buscar produtos mais baratos e da moda, mesmo sabendo que produtos de baixo custo são frequentemente menos duráveis e de qualidade inferior. Segundo essa perspectiva, mesmo que produtos acessíveis fossem mais duráveis, muitas pessoas ainda os descartariam para adquirir as últimas novidades como símbolos de status.
Adicionalmente, a dificuldade de obter reparos para dispositivos defeituosos também contribui para o aumento do lixo eletrônico. Apesar de muitos desejarem consertar seus aparelhos em vez de substituí-los, fatores como preços elevados de peças sobressalentes e falta de suporte para modelos mais antigos impedem que isso aconteça, alimentando ainda mais o ciclo de consumo e descarte.
Uma notícia alarmante agora nos confronta: os materiais essenciais para a fabricação de dispositivos eletrônicos, como celulares e computadores, estão em vias de escassez irreversível. As reservas de minerais críticos, como o índio (fundamental para telas sensíveis ao toque), podem estar esgotadas até a década de 2030. Este elemento, o 12º em uma lista de elementos ameaçados, está entre outros 10 elementos que correm um risco ainda maior de esgotamento. Entre eles, o cobalto (vital para baterias), o germânio (usado em fibras óticas) e o gálio (componente de circuitos eletrônicos). É imperativo reconhecer que a Terra possui recursos limitados.
Muitos desses recursos são extraídos de regiões de conflito, adquiridos de países envolvidos em guerras civis e abusos dos direitos humanos. Por exemplo, 60% do cobalto no mercado global provém da República Democrática do Congo, onde a extração envolve frequentemente o trabalho infantil. A Anistia Internacional identificou várias empresas associadas ao uso de minerais provenientes de áreas de conflito. De maneira lamentável, a obsolescência programada assegura uma demanda contínua por esses recursos.
Uma solução direta para os problemas derivados da obsolescência programada seria criar dispositivos de maior durabilidade e implementar uma reciclagem abrangente de resíduos eletrônicos. Através da reciclagem, seria viável recuperar os elementos em escassez, reintegrando o que era considerado “lixo” à cadeia de produção.
O sociólogo Razmig Keucheyan discute a relação intrínseca entre o capitalismo e a obsolescência programada. Ele observa que a competição entre empresas privadas gera uma pressão por produção incessante, visando lucros crescentes. Isso sugere que a produção não visa apenas suprir as necessidades humanas, mas enriquecer os envolvidos. O futuro do nosso planeta depende de uma abordagem de produção responsável, que atenda às demandas de consumo sem explorar o meio ambiente e comunidades vulneráveis. No entanto, tal mudança não será possível no atual sistema de produção e dificilmente ocorrerá sem mudanças políticas.
Para estabelecer um futuro sustentável, é fundamental implementar a Logística Reversa em todas as indústrias. Esse enfoque permitiria o tratamento adequado de resíduos sólidos, tornando as empresas mais atraentes para investimentos baseados em critérios ambientais, sociais e de governança (ESG). Pode-se citar, como exemplo, a empresa Sucata Digital que faz o gerenciamento dos resíduos eletroeletrônicos, fazendo o melhor destino para cada material.
Fonte: CNN Brasil, Tech Tudo.